- Rafael Neves – Do UOL, em São Paulo
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu nesta terça-feira (16) anular a decisão do corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, que havia afastado do cargo a juíza Gabriela Hardt, que conduziu processos da operação Lava Jato. Foi mantido, porém, o afastamento de dois desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
O que aconteceu
O CNJ derrubou, por 8 votos a 7, a decisão que havia afastado Hardt. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, votou contra os afastamentos e pediu vista da análise do mérito do caso. Com isso, fica adiada a decisão que pode abrir um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) contra Hardt e o senador Sergio Moro (União-PR), que também é investigado.
Barroso afirmou que o afastamento dos juízes foi uma decisão “ilegítima, arbitrária e desnecessária”. Segundo o ministro, Salomão não tinha justificativa para punir os magistrados em decisão monocrática, um dia antes de uma sessão colegiada do CNJ.
Além de Hardt, a decisão do CNJ também beneficiou o juiz Danilo Pereira Júnior. Ele foi um dos magistrados afastados por Salomão, mas o plenário reverteu a decisão. Já o afastamento dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson e Loraci Flores de Lima foi mantido, por 9 votos a 6.
Hardt é investigada por supostas irregularidades na Lava Jato. O CNJ vai apurar se ela e o senador Sergio Moro (União-PR) violaram leis da magistratura durante a operação. O caso de Moro, porém, foi retirado de pauta e será julgado em outra sessão, que ainda não tem data.
Hardt condenou o presidente Lula (PT) em um dos processos da Lava Jato. Foi ela quem sentenciou o petista a 12 anos e 11 meses de prisão.
Dois desembargadores tiveram afastamento mantido
O CNJ manteve afastados os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Lenz e Loraci Flores de Lima. Eles são titulares do tribunal regional, em Porto Alegre. Já o juiz Danilo Pereira Júnior, que teve o afastamento revertido, estava na chefia da 13ª Vara, em Curitiba.
Os desembargadores haviam sido afastados por suposto descumprimento de ordens do Supremo Tribunal Federal. Em maio do ano passado, quando estavam na 8ª Turma do TRF-4, os magistrados afastaram o juiz Eduardo Appio dos processos da Lava Jato. Appio foi considerado suspeito após ter feito uma ligação intimidatória para o filho do desembargador Marcelo Malucelli.
Para Salomão, os membros do TRF-4 demonstraram “desrespeito obstinado” às ordens do STF. Segundo o corregedor, a decisão que afastou Appio da Lava Jato impactou processos no Paraná que estavam suspensos por ordem do STF. Um dos impactos foi o restabelecimento de dois mandados de prisão que haviam sido suspensos pelo juiz.
Associações de juízes saíram em defesa de Hardt e dos desembargadores. A Apajufe (Associação Paranaense dos Juízes Federais) chegou a convocar uma paralisação em protesto contra a decisão de Salomão.
A PGR também se manifestou contra os afastamentos. Na sessão do CNJ hoje, o subprocurador-geral da República José Adonis Callou Sá afirmou não ver “motivação suficiente” para afastar Hardt e os desembargadores.
O afastamento cautelar de qualquer magistrado reclama motivos de natureza extremamente grave, além de contemporaneidade aos fatos, ainda mais quando determinado de forma monocrática, situações que não se verificam no caso em debate.
Nota da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil)
Juíza trocou mensagens com Deltan sobre o acordo
O relatório de Salomão afirma que Hardt tratou, fora dos autos, da criação do fundo da Lava Jato. Em depoimento ao CNJ, ela disse que tratou do assunto em janeiro de 2019, por mensagens de aplicativo, com o deputado federal cassado Deltan Dallagnol (Novo-PR), que à época chefiava a força-tarefa da Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal).
O dinheiro do fundo, segundo o acordo, sairia de uma multa acertada entre a Petrobras e os Estados Unidos. Para encerrar processos na Justiça norte-americana, a estatal aceitou pagar uma multa e direcionar 80% do valor para o Brasil. Segundo Salomão, a Lava Jato cometeu irregularidade ao assumir esses recursos, porque o acordo nos EUA previa que o beneficiário seriam “autoridades brasileiras”.
Hardt disse ao CNJ que a Lava Jato pediu pressa na homologação do acordo. Ela afirmou que foi procurada pela força-tarefa para que validasse o trato com a Petrobras “nos próximos dias”. Segundo a juíza, os procuradores afirmaram que “ia ficar muito feio para o Brasil todo o dinheiro da indenização ir para os Estados Unidos”.
Por aqueles dias, Dallagnol tratou com Hardt dos processos contra Lula. O UOL revelou que o ex-procurador mandou mensagens aos colegas, em 10 de janeiro de 2019, informando que havia encontrado a juíza e que ela se comprometeu a dar sentença no caso do sítio de Atibaia, o que de fato ocorreu menos de um mês depois.
Expliquei o que o Ministério Público queria de mim, porque foi naqueles quatro meses caóticos [quando Hardt atuou sozinha na 13ª Vara de Curitiba]. E o Ministério Público dizendo que, se eu não decidisse, a gente ia perder R$ 2,5 bilhões, e o Brasil ia deixar esses R$ 2,5 bilhões nos Estados Unidos
Gabriela Hardt, em depoimento ao CNJ