- Da Redação
Ao chegar na sala que abriga o Memorial João Mariano, a sensação é de estar entrando na antiga oficina dos Jornais “O Rebate” e “O Juruá” que ficava num terreno à frente do Copacabana Shopping, onde ele editava tipograficamente e imprimia os jornais que registraram o cotidiano de Cruzeiro do Sul por mais de 50 anos.
O Memorial João Mariano, instalado no local citado acima, está novamente disponível para visitação nas terças e quintas-feiras, no período da tarde, destaca o professor Nilo Castro que têm recebido alunos e visitantes com interesse em conhecer mais da história da vida do jornalista João Mariano e em saber e ver os equipamentos e edições restauradas dos jornais.
“Estamos respirando, aqui, tudo que o professor João Mariano viveu na época, como um dos pioneiros do jornalismo, sabendo da luta que ele teve quando chegou com os pais do Nordeste, fugindo da seca, vindo a trabalhar nos seringais do Amazonas e Cruzeiro do Sul. O jornalista perdeu a genitora no município de Eirunepé-AM e, posteriormente, o pai faleceu no seringal Valparaíso, no Alto Juruá”, conta professor Nilo.
“João Mariano tem uma história muito bonita de superação porque ele foi seringueiro, viveu na sua vida tudo o que um seringueiro vive: as doenças tropicais, as febres de malária, as picadas dos insetos, a presença de animais peçonhentos, de animais selvagens, como onças e caititus, a falta de uma alimentação adequada que abatia o mais corajoso desbravador de terras inóspitas. João Mariano relata, em um de seus artigos biográficos, que dos 25 companheiros que chegaram com ele no seringal, restaram apenas cinco, depois alguns anos”, relata o professor.
“Avalio que o João Mariano foi um sobrevivente. A maioria dos que vieram do Nordeste sucumbiram as intempéries e doenças da região e, na condição de autodidata, ele, através dos seus escritos e jornais, resolveu registrar a história e os traços identitários da cidade. Hoje, sabemos muito da vida das pessoas que aqui viveram, emprestando seus nomes às ruas e ao patrimônio histórico da região, ” enfatiza o professor.
O professor Nilo lembra que as máquinas da oficina de João Mariano foram compradas de segunda mão, adquiridas de uma empresa de São Paulo que provavelmente renovou seus equipamentos. A Prelazia do Alto Juruá, inclusive, colaborou com a manutenção dos jornais, porque ter um jornal na cidade era um benefício para todos, inclusive para o poder público e entidades particulares.
“O senhor João Mariano era um homem muito teimoso, porque, mesmo com as dificuldades para manter o trabalhoso processo de edições dos jornais, ele insistiu e conseguiu recursos, às vezes, até do próprio bolso, para custear as despesas recorrentes. Era de interesse de todos que os jornais funcionassem para divulgar as informações e editais do poder público. Tudo convergia para furos jornalísticos: a viagem de autoridades locais para tratamento de saúde, a chegada de navios pelo rio Juruá, identificando os nomes das embarcações e de seus ilustres passageiros, as posses e mandatos dos prefeitos, as visitas dos governadores, as obras que foram realizadas, as chegadas de dentistas, médicos, professores, juízes, padres, bispos, pastores, as visitas ilustres que recebeu em sua tipografia. Praticamente, nenhuma autoridade visitava a cidade sem trocar umas palavras com o egrégio jornalista e falar de suas intenções ”, lembra o professor.
Um dia, uma máquina quebrou uma peça e João Mariano pediu para um carpinteiro de nome Possidônio, pai do economista e escritor cruzeirense Dindola, que mora em Cuiabá e é um dos admiradores do trabalho da família Mariano de revitalização e implantação do Memorial com o acervo dos jornais “O Rebate” e “O Juruá”. Com sua experiência o senhor Possidônio, que era um exímio carpinteiro, conseguiu consertar a máquina com uma roldana fabricada em madeira para a substituir a de ferro.
“Naquela época, não havia reposição de peças originais ou genéricas, a impressora era alemã, de uma fábrica fundada em 1888, época da abolição da escravatura no Brasil, e João Mariano reaproveitou o equipamento para editar os jornais O Rebate, de 1921 e o Juruá que teve início em 1953. Ele manteve os dois jornais”, ressalta Nilo Castro.
O Memorial João Mariano está localizado numa sala do térreo do Shopping Copacabana, cedida pelo empresário Assem Cameli e sua esposa Plácida, que é neta de João Mariano e o professor faz um agradecimento especial por eles terem cedido o espaço para abrigar o Acervo com as edições restauradas e os equipamentos que também foram recuperados.
“É um trabalho digno de muitos aplausos feitos pela professora Gisalda Mariano, que manteve o acervo e os equipamentos com o apoio dos filhos. Outro trabalho digno de louvor foi do Irmão Marista João Gutemberg que se dedicou para a restauração dos jornais e preservação/recuperação dos equipamentos e quem ganha com todo esse esforço é a população cruzeirense que tem sua história preservada e contada”, disse.
O professor Nilo Castro informa à população que o Memorial está aberto à visitação, nas terças e quintas-feiras, no período da tarde e, caso alguma escola tenha interesse, pode agendar a visita em outros horários e dias da semana. Parte do Acervo também pode ser levada para alguma escola que tenha interesse, sendo de grande importância sua visitação para que os jovens possam ter um contato com a história da cidade. O professor ainda ressalta que os professores das redes pública e privadas, principalmente os ligados ao ensino de História, devem envidar todos os esforços para que seus alunos tenham acesso ao material. Não são apenas jornais, são periódicos que retratam a sociedade que já fomos, sua evolução na linha do tempo, a história dos heróis muitas vezes esquecidos que construíram os fundamentos de uma cidade que começou e se desenvolveu bem no seio da selva amazônica.